Veículos Elétricos e a Infraestrutura de Recarga, um desafio de ecossistema
A transição para veículos elétricos (VEs) é uma realidade inegável em nossa busca por um futuro mais sustentável e uma tecnologia claramente superior. Contudo, essa mudança não se trata apenas de substituir o motor — ela exige uma transformação completa no ecossistema de mobilidade. Neste artigo, propomos uma discussão sobre a infraestrutura de recarga de VEs no Brasil, explorando como a Inovação Aberta (IA) pode ser a chave para superar desafios e acelerar essa revolução.
O Desafio Brasileiro
Usuários de VEs no Brasil enfrentam obstáculos significativos, como filas longas e carregadores frequentemente fora de operação. Essa situação não é exclusiva do Brasil; é uma realidade em várias partes do mundo. Apesar da BYD liderar em vendas de VEs no país, a empresa não tem investido na infraestrutura de recarga necessária para seus clientes, o que tem gerado críticas por clientes e entusiastas do tema. Porém, assim como as montadoras de carros a combustão não investiram em postos de gasolina no passado, a questão crucial é: devem as montadoras liderar a expansão dessa infraestrutura?
A Experiência nos EUA
Nos Estados Unidos, a situação não é muito diferente daqui. Usuários de veículos elétricos não-Tesla frequentemente se deparam com problemas na rede da Electrify America, como poucas unidades, filas e equipamentos defeituosos. Isso levou a uma mudança significativa: várias montadoras decidiram adaptar seus veículos para usar a rede de recarga da Tesla, reconhecendo a eficiência e a confiabilidade superior dessa rede.
Tesla: Uma Liderança Inovadora
A Tesla, ao perceber que a adoção de veículos elétricos depende fortemente de uma boa experiência e vendo a falta de infraestrutura existente, começou a investir em sua rede de Superchargers visando dar a seus clientes maior segurança em adquirir os veículos da marca. Até hoje, é fato conhecido nos EUA que se você quer uma boa experiência de recarga, você precisa de um Tesla.
A Situação Distinta da Tesla
Diferente de outras montadoras, a Tesla, por produzir exclusivamente veículos elétricos, dependia integralmente da rede de recarga. Para uma montadora tradicional, se a rede de recarga é inadequada, o cliente pode simplesmente optar por um veículo a gasolina. Assim, a Tesla teve um incentivo único para investir em uma rede de recarga eficiente e por isso não vimos tal fenômeno se repetir com outras montadoras.
O Caso Brasileiro: BYD e GWM
No Brasil, a situação das montadoras BYD e GWM é similar à da Tesla nos seus primórdios. Essas empresas dependem da adoção de veículos elétricos pelos consumidores, ao contrário de outras montadoras que têm uma diversidade maior em seus portfólios. Atualmente, parece que elas estão confiando na infraestrutura existente de recarga, mas em breve podem perceber que isso não será suficiente para acompanhar seus objetivos de crescimento.
Será que as montadoras devem investir em redes de recarga? A experiência da Tesla sugere que sim, especialmente para empresas cujo foco é exclusivamente em veículos elétricos. Para essas empresas, o investimento em redes de recarga não é apenas uma melhoria no serviço ao cliente, mas também uma estratégia essencial para garantir sua viabilidade e sucesso no mercado.
Inovação Aberta e a Infraestrutura de Recarga
Neste cenário a Inovação Aberta emerge como um paradigma promissor para abordar esse desafio de ecossistema. Startups brasileiras, como Tupinambá, Ezvolt, Voltbrás, Wecharge e Zletric estão na vanguarda, trazendo soluções inovadoras e personalizadas para a infraestrutura de recarga com o apoio e investimento de grandes empresas como Shell, Vibra, EDP, Neoenergia e Estapar.
A recente parceria da GWM com Tupinambá, WeCharge e Zletric, que oferece vouchers de carregamento gratuito para clientes da marca gerou um debate importante sobre os incentivos no ecossistema de mobilidade elétrica. Enquanto a iniciativa visa promover o uso de veículos elétricos, ela introduz inadvertidamente incentivos que podem ter efeitos contraproducentes. Ao disponibilizar recarga gratuita em eletropostos rápidos, a parceria pode incentivar os usuários a optarem por carregar seus veículos nesses pontos ao invés de em casa. Esse comportamento pode sobrecarregar a infraestrutura existente e, mais preocupante ainda, pode acelerar a degradação das baterias dos veículos, uma vez que a carga rápida é geralmente mais estressante para as baterias do que os métodos de carga lenta.
Esses possíveis efeitos indesejados sublinham a complexidade inerente ao gerenciamento de um ecossistema de inovação. A implementação de tais parcerias exige uma compreensão detalhada não apenas das necessidades imediatas, mas também das implicações a longo prazo de tais incentivos. É fundamental que as empresas envolvidas em mobilidade elétrica adotem boas práticas de gestão de ecossistema, considerando cuidadosamente como suas políticas e incentivos podem moldar o comportamento do usuário e o desenvolvimento do mercado.
Concluindo, enquanto a parceria da GWM com Tupinambá WeCharge e Zletric é um passo positivo em termos de apoio à mobilidade elétrica, ela também destaca a necessidade de uma abordagem mais holística e estratégica. Incentivos bem pensados e investimentos equilibrados entre capex e opex podem garantir um desenvolvimento saudável e sustentável do ecossistema de veículos elétricos, beneficiando usuários, empresas e o meio ambiente a longo prazo.
A abordagem de open innovation não apenas acelera o desenvolvimento tecnológico, mas também cria um ecossistema mais resiliente e adaptável às necessidades do mercado. Resta ver agora o papel das montadores nesse processo.
Conclusão
A infraestrutura de recarga é mais do que um complemento aos VEs — é um componente vital do ecossistema. A colaboração entre montadoras, startups e o setor público, guiada pelos princípios da Inovação Aberta, pode desbloquear novas fronteiras de eficiência e sustentabilidade. À medida que avançamos, a capacidade de adaptar-se e investir de forma estratégica na infraestrutura de recarga não será apenas um facilitador para a adoção de VEs, mas um pilar fundamental para liderar a revolução do transporte sustentável.
Por Rafael Levy, CTO da 100 Open Startups